sábado, 13 de dezembro de 2008

Um novo começo


Eram 2h da manhã, peguei numa pequena mala velha e gasta, enchi-a de sentimentos, amores,ódios, lágrimas e sorrisos, coloquei-a ás costas e saí de casa.
A noite estava fria, o vento fazia-ma voar os cabelos e lua reflectia o seu brilho, o blusão que tinha vestido protegia-me o corpo mas não a alma.
Fiz sinal a um táxi, entrei, perguntou o destino, limitei-me a dizer-lhe "leve-me até o céu, deixe-me na estrela mais brilhante que encontrar e não conte a ninguém" , franziu o sobrolho e começou a rir.
Pedi então que me levasse ao aeroporto, entrei num avião que iria para o outro lado do mundo e voei para longe, para longe de ti, da tua cama, da tua casa, fugi para um lugar estranho onde poderia abandonar a velha mala e comprar uma nova, cheia de coisas boas.
Ali ninguém me conhecia, ninguém falava a minha língua, ninguém conhecia o meu coração. Para trás deixei o meu amor de sempre, deitado na cama, exausto de me amar, de viver comigo, deixei o telemóvel, as chaves de casa, deixei as roupas, as fotos, as prendas, deixei a alma, as lágrimas, para trás deixei a minha vida.
Juliana Ferreira

Há palavras que nos beijam

Há palavras que nos beijam
Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto;
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.


Alexandre O'Neill

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Intimidade


No coração da mina mais secreta,
No interior do fruto mais distante,
Na vibração da nota mais discreta,
No búzio mais convolto e ressoante,


Na camada mais densa da pintura,
Na veia que no corpo mais nos sonde,
Na palavra que diga mais brandura,
Na raiz que mais desce, mais esconde,


No silêncio mais fundo desta pausa,
Em que a vida se fez perenidade,
Procuro a tua mão, decifro a causa
De querer e não crer, final, intimidade.


José Saramago