segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Especial


"O coração, se pudesse pensar, pararia."
"Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo. Não sei onde me levará, porque não sei nada. Poderia considerar esta estalagem uma
prisão, porque estou compelido a aguardar nela; poderia considerá-la um lugar de sociáveis, porque aqui me encontro com outros. Não sou, porém, nem impaciente nem comum. Deixo ao que são os que se fecham no quarto, deitados moles na cama onde esperam sem sono; deixo ao
que fazem os que conversam nas salas, de onde as músicas e as vozes chegam cómodas até mim. Sento-me à porta e embebo meus olhos e ouvidos nas cores e nos sons da paisagem, e canto lento, para mim só, vagos cantos que componho enquanto espero.
Para todos nós descerá a noite e chegará a diligência. Gozo a brisa que me dão e a alma que me deram para gozá-la, e não interrogo mais nem procuro. Se o que deixar escrito no livro dos viajantes puder, relido um dia por outros, entretê-los também na passagem, será bem. Se não o lerem, nem se entretiverem, será bem também."

Livro do desassossego- Fernando Pessoa

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Momentos inesqueciveis

Passei aqui só para dizer "Olá",
Abri a porta e a tua casa estava só, abandonada e estranhamente sombria.
Entrei, sabia que tu estavas mais uma vez refugiado num canto qualquer,
sentia-te presente em cada parede, em cada quadro, era tudo tão teu que me arrepiava.
Deitei um breve olhar em tudo, toquei mais uma vez nos moveis escuros,
no sofá, reparei na papelada acumulada sobre a pequena mesa,
saltando-me a vista uma revista cheia de rascunhos e desenhos carinhosos.
Sabia perfeitamente para quem os tinhas feito e com quem tinhas tido aquela "conversa",
entre gargalhadas e palavras soltas. Foi comigo!
Fiz um esforço, tinha que me concentrar em te encontrar,
afinal estavas emaranhado no teu mundo e não sabias como sair.
Encontrei-te em frente à secretaria, com a cabeça caída,
soltavas pequenos soluços que só eu conseguia ouvir, olhaste para mim,
e num tremendo esforço tentaste sorrir em vão.
Nesse momento soltaste um grito de fúria perante a tua incapacidade
de me encher o coração, sabias que era preciso tão pouco.
E mais uma vez pegaste num pedaço de papel e com a tua velha mão a tremer
desenhaste o mais bonito sorriso que algum dia eu já tinha visto.

Juliana Ferreira


segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Cartas de amor

Todas as cartas de amor são


Ridículas.


Não seriam cartas de amor se não fossem


Ridículas.




Também escrevi em meu tempo cartas de amor,


Como as outras,


Ridículas.




As cartas de amor, se há amor,


Têm de ser


Ridículas.




Mas, afinal,


Só as criaturas que nunca escreveram


Cartas de amor


É que são


Ridículas.




Quem me dera no tempo em que escrevia


Sem dar por isso


Cartas de amor


Ridículas.




A verdade é que hoje

As minhas memórias


Dessas cartas de amor


É que são


Ridículas.




(Todas as palavras esdrúxulas,


Como os sentimentos esdrúxulos,


São naturalmente


Ridículas.)




-Alvaro de Campos

Amor


"Não sei por que te amei este modo tão improvavel de amar, ao primeiro olhar. Sorriste, lembras-te?, como uma vaga que arrasta tudo em redor e não reparaste sequer em mim. Nesse instante descobri que o que procurava estava ali a dois passos, em ti- eras tu. Poderia ter evitado tudo isto, ignorar que te vi, fazer parar a vida. Mas, dessa vez, fui no teu encalço sem me interrogar se devia. Era a minha vez.
Antes de te encontrar, julgava que tinha de haver em cada amor uma razão que fosse essencial conhecer. Mais tarde dei-me conta de que, afinal, o mais belo amor é o que não tem nenhuma. Basta um corpo, um sorriso, uma forma qualquer de estar, para ele acontecer.
Hoje sei que o que importa quando se ama é amar simplesmente, amar sempre, à revelia das razões que estorvam, dos medos que proibem. É esse o mais belo amor, de onde vem, para onde me leva, já não quero saber"


Rui Vicente

O esplendor da idade


Um dia quero ter 100 anos, quero ter a cara marcada com rugas que evidenciam a minha vivência, Quero ter aquele olhar pequenino mas cheio de brilho e um sorriso cheio de vitalidade.
Quero ter o cabelo branco, todo branco (como da minha avó), macio e cheiroso, para que me possam pentear em longos dias de conversas.
Quero contar as historias da minha vida, as minhas historias de encantar, e com meninos ao colo, quero ainda saber sonhar.
Quero passar os dias sentada num velho sofá com os óculos na mão, quero ler, quero poder aprender e esquecer que a morte se aproxima.
Quero sorrir para vida, quero passear de mãos dadas com ela, quero fazer aqueles bolos, quero receber beijinhos lambuzados, quero ouvir o riso de quem amo e escutar as palavras de amor. Quero receber pedidos de abraços e fazer aquele chocolate quente, que tantas vezes eu pedi, quero passear no jardim cheio de flores, quero corricar entre brincadeiras.
Quero aprender a viver de verdade.

Juliana Ferreira



As meus avós, que tanto amei e continuo amar, pelo carinho que sempre recebi, porque me arrependendo amargamente das vezes que queria dizer, mas não disse, "Avó eu gosto muito de ti".

domingo, 12 de agosto de 2007

Fuga


Hoje vou fugir de casa, vou pegar na mala e sair à descoberta.
Vou ser só eu e a minha alma, vou conhecer a vida lá fora, vou perder o medo e lançar-me ao desconhecido.

Hoje vou fugir de mim e cansada de sempre o ser, vou criar outra pessoa, vou adquirir outro nome, outra historia. Vou inventar o meu futuro e como se tivesse o poder de Deus, nunca morrerei.

Quero-me perder entre os prazeres da vida, e quando regressar à minha pessoa, chegarei mais perfeita, mais completa, terei outro aspecto, outro sorriso cheio de malícia. Serei capaz de lutar, de cair e levantar-me sem dificuldade.

Vou ter o mundo nas mãos!

Juliana Ferreira

sábado, 11 de agosto de 2007

Momentos de cansaço


Hoje apetece-me, gritar com o mundo, fazer uma fita de menina birrenta e dizer-lhe umas quantas coisas feias. 
Apetece-me esmurra-lo até perder as forças e cair inanimada no chão.
E quero soltar toda esta ira contida dentro do meu peito, gritando-te bem dentro do ouvido, para ver se acordas e me encontras definitivamente.
E no fim chorando ou rindo de emoção quero cair na cama exausta, e dormir num sono leve e descansado.

Juliana Ferreira

Tive vontade


Hoje tive vontade de me meter no bolso, de te atar ao pulso com um cordel e poder olhar-te para sempre. 
Tive uma imensa vontade de te agarrar, de te puxar pelo braço e levar-te para casa.
Hoje senti a falta do teu rosto no meu e tive vontade de te roubar para mim, de te guardar dentro da minha gaveta especial e todos os dias poder tocar-te. Tive vontade de dormir contigo, de te dar a mão e sorrir-te feliz, de olhar para trás e sentir o calor do teu abraço. Hoje mais que ontem e menos que manha tive vontade de te possuir, sim, vontade de te consumir, de te apertar junto ao peito, gritando: Tu e eu, somos nós!
Vontade de construir o meu mundo contigo, fazendo dele o nosso, e vontade de te amar em cada esquina, de te tatuar na perna, no braço, no corpo inteiro...
Hoje tive vontade de que tudo se mantivesse como um dia foi.

Juliana Ferreira

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

A solidão da morte



Sinto o corpo leve, abro os olhos e deparo-me com o céu, mesmo alcance da minha mão. 
Não é um sonho, eu estou mesmo cá em cima. Tenho um vestido branco, sobre o corpo, e os cabelos soltos ao sabor do vento. 
Quando olho para baixo vejo uma imensidão de gente, em redor de um corpo pálido e sereno com o olhar cristalino e reconheço cada traço daquele rosto, é o meu.
O ar é pesado e mal consigo respirar, as pessoas choram e agarram a minha mão morta.
Estão inconformados com a minha partida, mas no entanto eu estou ali e tento toca-los, dizer-lhes que não morri. Quero muito abraçar as pessoas que amo e quero que eles consigam visualizar o meu sorriso, só que ninguém me sente, nem se manifesta perante o meu chamamento e pela primeira vez tenho saudades da vida!

Juliana Ferreira

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Longe do sol


O caminho é longo e eu fiquei de o terminar.
O sol foge de mim e eu insisto em procura-lo em cada canto escuro.  Sonho em poder toca-lo e mete-lo dentro do bolso. Tenho os pés calejados, não sei se pelo caminho, se pela angustia de ainda caminhar.  Tenho o rosto cansado e a pele envelhecida das lágrimas caídas, talvez do frio que me corta a respiração.
O velho lenço está roto de tanta vez ser usado e só a minha alma continua intacta, por pouco tempo, é certo. 
Ao meu lado vejo a lua, seguindo-me em cada passo dado e rindo-se de mim, por cada vez que tropeço e e que esfolo mais um pouco o joelho.
Tento chorar de dor mas as lágrimas secaram, tento gritar de angústia mas a voz, essa está presa há muito tempo.
Olho para trás e não vejo ninguém.
Lá longe ainda consigo ouvir o riso das crianças, limito-me a imaginar como será ver o sol e senti-lo no corpo. Houve alturas em que o senti, em que o entendia, mas a memória começa a falhar e agora só imaginando é que eu me aproximo da realidade.
Estou num caminho escuro, por vezes seco e grotesco, por outras vezes frio e implacável. E tento resistir a cada armadilha. Quantas foram as vezes em que pensei ter chegado ao fim, e só quando senti o mundo desabar em cima do meu frágil corpo, tomei consciência que o inicio só agora começou.

Juliana Ferreira

Consegui.


Hoje sorri outra vez. Consegui!
Sorri cheia de vontade, e sorri mesmo.
E amanha posso perder todos os motivos para o fazer de novo, mas hoje consegui!

Juliana Ferreira

Liberta-me


Liberta-me das amarras da vida,
da brisa fria do vento e do calor intenso do sol.
Liberta-me do panico do futuro,
da vida suja e medíocre.
Liberta-me das lagrimas de saudade,
e solta-me as palavras trancadas na mente.
Liberta-me os braços fechados,
e o sorriso preso no passado.
Liberta-me do medo de acordar,
da vida simples e deixa-me voar.
Liberta cada membro do meu corpo,
e faz-me dançar pra sempre.
Liberta-me desse teu perfume,
das tuas mãos nas minhas.

Liberta-me ... de ti.

Juliana Ferreira

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Ate um dia


Fiz as malas e estou a ir embora.
Vou-me refugiar num mundo só meu e não sei quando volto.


Ate um dia!

Juliana Ferreira

Facil



Foi tão fácil entregar-te a minha alma e deixar-me levar pelo que sentia.
Foi tão fácil gostar de ti e tocar-te verdadeiramente. Foi ainda mais fácil para ti chegar cá dentro e sem saber bem o que se estava a passar, nunca pensei neste momento.
Foi tão fácil sorrir de felicidade, chorar de saudade e dar-te a mão com força.
Foi tão fácil querer estar contigo e desejar sempre mais, sonhar mais alto. Foi fácil viajar num futuro perfeito.
Foi tão fácil abraçar-te com força e querer ficar sempre assim, olhar-te nos olhos sentindo o peito desabrochar.
E agora é tão fácil ver que tudo foi fácil demais e como tal também o fim foi facílimo.


Juliana Ferreira

Gestos




São os simples gestos, aqueles que falam por si. São simples caricias que nos despertam os sentimentos.
E em cada momento especial, deixamos-nos levar por sensações acordadas que viviam num fundo de nós. 
E quando tudo se limita ao gesto, degolando tantas outras palavras, sustentando um silêncio agradável a nossa alma aquece, flameja e derrama tanta sede de caricias, como aquelas que queremos dar.
E pedimos mais e sempre mais, sentindo um consolo desmedido, esquecendo as passivas palavras.
Ficamos pela fúria de sentir cada gesto, querendo agarra-lo, aperta-lo e embebidos em carinho, tornamos-nos dependentes, não das palavras mas do toque, do olhar, do beijo.
E quando termina, ficamos esperando impacientemente pelo dia em que nos toquem de novo a alma, com gestos delicados e ardentes.

Perdi-a


Perdi-a entre risos infundados e gargalhadas ensurdecedoras,

Entre sonhos ausentes e olhares invisíveis.

Perdi-a por entre paixões estranhas e vontades vivas,

por entre lágrimas derramadas e gritos mudos.

Perdi-a entre futuros vividos e passados relembrados.

Entre caricias doces e sorrisos ternurentos.

Perdi-a sem dar conta, sem saber como e porquê,

quando olhei já não estava la!

Perdi-a por entre medos de a perder e receios de a esquecer,

por entre sentimentos soltos e mãos suadas.


Perdi, perdi a flor que tu me deste.

Juliana Ferreira